Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.
Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo - o que foi? passou! - de tantas estrelas cadentes.
A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.
O dia vem, e dia a dentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.
Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.
Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.
As dádivas dos anjos são inapropriáveis:
Os anjos não compreendem os homens.
Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.
- Quero é a delícia de poder sentir as coisas mais simples.
ÁGUA-FORTE
O preto no branco,
O pente na pele:
Pássaro espalmado
No céu quase branco.
Em meio do pente,
A concha bivalve
Num mar escarlata.
Concha, rosa ou tâmar?
No escuro recesso,
As fontes da vida
A sangrar inúteis
Por duas feridas.
Tudo bem oculto
Sob as aparências
Da água-forte simples:
De face, de flaco.
O preto no branco.
Manuel Bandeira
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