30 de set. de 2010



"Eis-me aqui, recomposto, sem um ai.
Sou o meu próprio Frankstein - olhai!
O belo monstro ingênuo e sem memória"

Mario Quintana

Eloqüência e decapitação

PIANO SUBITO STREPITOSO

- Arrancai-lhe a língua.
- E depois?
- E depois deveis lha devolver. Assim, quem sabe, terá finalmente algo a dizer.

- Arrancai-lhe a língua.
- E antes?
- Antes, nuca a teve. Mas nascerá por extração, assim como a liberdade entre os povos colonizados.

- Arrancai-lhe a língua.
- Onde? Na boca, no grito, nas manchetes dos jornais vespertinos?
- Onde não há riso - é neste lugar que a língua é mais fraca.

- Arrancai-lhe a língua.
- Fará diferença?
- Arranco a vossa. Então vereis que não há diferença para a língua em arrancar a vossa ou a de outro.

Pádua Fernandes
em Cinco lugares da fúria



"A espiritualidade do etnocídio é a ética do humanismo."

Pierre Clastres em Arqueologia da violência


PERMISSÃO II

Corramos.
Chegaremos antes de nossas solidões.

E será que é permitido "solidões"?

Permite-se
amores
pragmatismos
egoísmos
deuses
dores
as passagens a 2,90
degraus
e lápis-de-cores.

Só solidões estranha.
É feio.
É torto.
Quiçá, pecado.

Corramos.
Chegaremos eu e você
ao desconhecimento mútuo.
Cada um, um.
Nós, desfeito.
Aqui, só singular.

Permite-se.

setembro, 2010.

27 de set. de 2010

CANCION DEL AMOR


Te amo, te amo, es mi canción
y aquí comieza el desatino.


Te amo, te amo mi pulmón,
te amo, te amo mi parrón,
y si el amor es como el vino:
eres tú mi predilección
desde las manos a los pies:
eres la copa del después
y la botella del destino.


Te amo al derecho y al revés
y no tengo tono ni tino
para cantarte mi canción,
mi canción que no tiene fin.


Em mi violín que desentona
te lo declara mi violín
que te amo, te amo mi violona,
mi mujercita oscura y clara,
mi corazón, mi dentadura,
mi claridad y mi cuchara,
mi sal de la semana oscura,
mi luna de ventana clara.

Pablo Neruda


"e aqui começa o desatino":
como um tiro de largada
ou de misericórdia
Ah, esse Neruda!

26 de set. de 2010

O homem sábio e desdenhoso
olhou-me com a indiferença
dos camelos pela lua
e decidiu orgulhosamente
olvidar-se de meu organismo.

Desde então não estou seguro
se eu devo obedecer
a seu decreto de que eu morra
ou se devo sentir-me bem
como meu corpo me aconselha.

E nesta dúvida não sei
se dedicar-me a meditar
ou alimentar-me de cravos.

Pablo Neruda, trecho de "No entanto me movo"

Andar

por qual válvula escapar de mim mesma

depois dos pés atados aos pulsos
e das mãos pisando em ovos?

depois de cuspir merda
e chorar mêstruo?
mas escatologias não me seduzem mais.
nem as fibras cruas dos músculos em sangue me falam d'alguma verdade oculta.
nem mesmo a dor e a nostalgia indicam qualquer tipo de acesso à vida ou à tranquilidade.

não me importa a verdade.
nem mesmo os ocultismos.
o que importa agora é costurar solas nas minha luvas.
"no entanto me movo",

25 de set. de 2010

O autorretrato

No retrato que me faço
- traço a traço -
Às vezes me pinto nuvem,
Às vezes me pinto árvore...

Às vezes me pinto coisas
De que nem há mais lembrança...
Ou coisas que não existem
Mas que um dia existirão...

E, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
Minha eterna semelhança,

No final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!

Mario Quintana

21 de set. de 2010

Olha que fazia tempo que uma música não me tirava do chão e me dava um grande, grande alívio.
Ouvi inquieta, boquiaberta, dizendo "meu deus! meu deus!" e levando as mãos ao rosto, o que se tornou uma sessão de bofetadas ao longo do vídeo e do deleite da letra.





Geralmente quando gosto de uma música eu a ouço várias vezes seguidas.
Mas esta, depois de ouví-la pela primeira vez, não tive nem vontade, talvez não faça sentido, afinal, depois de tê-la: "poetas para quê?/ os deuses, as dúvidas/ pra que amedoeiras pelas ruas?".

"ou pra que serve uma canção como esta?"
Não sei.
Talvez para descanço e dispersão num dia de cansaço e tensão.

A letra é da Adriana Calcanhoto.
A Bethânia, que é hábito, desta vez foi só acaso.

19 de set. de 2010

"coisas, coisas, mais coisas..."

aqui tem muita brincadeira.
não devia ser assim.

e então me encontro bem no interior de mim
bem lá naquele nó.
nó de madeira.
e tem tanta gente lá!
nas suas infinitudes...
e eu sou tudo isto. do tamanho de cada um deles e de todos juntos.

a gente fica perdendo tempo com tanta tanta tanta besteira, porra!
não devia ser assim.

não quero mais.
e, no entanto, quero tudo
sou inteira bocas e olhos: fome e lucidez.

neste choro todo risonho,
nesta saudade eterna houve um reencontro:
a vida é seu próprio avesso.

"Livros, plantas, raça, luta,
vida, idéias,
coisas, coisas,
mais coisas..." - sou a mistura Deles; no meu mundo Nancy é a cidade Luiz.

Pelas palavras concebida.
Pelas palavras concebemos: a criação em cada sopro, é energia que nasce e vibra;
a palavra cria.

Respiro para poder falar
Mas estas saudades me perturbaram
Me impedem de criar minha noite
Todos os sonhos elas já espirraram!

CELESTAMINE nela!
Essa eu já sei de cor!
Mas tem coisa nesta vida
Que de alergias dão cabo bem melhor!

Agora o sono derruba. Passou aquele fervor.
A escrita volta à rotina, criando em círculos.
Quando eu quero a espiral.

A intensão é sempre falar sério.
E é fato que nestes tempos não há aquela dor.
Crescer sempre dói. Tinha me esquecido.
Sempre aquela surpresa ao lembrar:
tua boca é realmente a que eu desejo
teu dorso, onde quero estar
e não era mesmo assim que você dançava?!
estás em mim em todo e qualquer olhar.

fim de noite.


19 de setembro de 2010
- findo às 04:13 hr -
domingueira

Aruanda

17 de set. de 2010

Ibejis apaixonados

Margiando quereres
os meninos contornavam a pressa do rio
que desce pedra, empurra folha,
e cresce e corre e cresce e corre
revolvendo cascalhos, recriando mundos.

É melaço maroto!
E quede muro para te represar?!
E quede fôlego para te faltar?!

É melaço maroto!
Travessura com ginga
Na juzante perplexa, numa fox estendida à pura zombaria!

Neste leito afogueado de águas arrepiadas
Quem mergulha se afoga
e fica em brasa
e crispa o dorso
e quebra bonito
e freme gostoso
na Brincadeira de roda para tontear corações!


Omi Beijada!

aqui
e aqui

16 de set. de 2010

Pega ela!

Das dúvidas todas
Há uma que mais me mata:

Há ou não bela presa
Em solo fundo refugiada?

De todos os prazeres
Há um que mais me angustia:

O arfar suave do teu medo,
pro gozo de minha harpia.



14 de set. de 2010

Mario Quintana


Souvenir d'enfance

Minha primeira namorada me escutava com um ar
                                          [de cachorrinho Victor:
Todas aquelas minhas grandes mentirinhas eram
                                          [verdades para ela...
Para mim também!


A oferenda

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos...
Trago-te estas mãos vazias
Que vão tomando a forma do teu seio.

Das utopias

Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas!

Manuel Bandeira


Porquinho-da-índia

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!

Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos,
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...

- O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.




Cia. M&M: para noite toda e um pouco mais.

9 de set. de 2010

tu não me chegas
se cá já estás.

- e cajá manga, tia?

manga não, meu bem.
capaz que não.

6 de set. de 2010

ESBOÇO DE UMA BUSCA MARIANA

Onde está  Maria
Longe de toda Fineza transmarítima?

Onde está Maria
Agora que rasgo o Atlântico?

Onde está Maria, testemunha
Das minhas Lutas de Lama?
Dos sonhos de Abeokuta?

Onde está minha amiga
e seu esmalte descascado
suas roupas coloridas
seus surtos de raiva
nossas risadas?

Onde está Maria de Luanda a Pernambuco?
De São Paulo à ansia do resto do mundo?

Quede Fineza, e sua presença fugidia?
Quede Maria fronteiriça?

Mas do teu nome só sei o eco:
Na tua mãe
Na tua avó
Na mãe dela, naquela outra e na outra depois dela
a virar
a esquina,
a página do livro,
o compasso do berro,
no santo,
o século.
a mudar
de vida,
de mundo,
de marido e de mulher,
de filhos para os netos
de casa e de carinho
de juntos para sozinhos...

...para além de principiá-lo na palma de nossas mãos*, Maria.

Cidadade de Abeokuta, em Ogun na Nigéria.

 *Referência ao trecho da música "Maria" de Ary Barroso:
"Maria, o teu nome principia/na palma da minha mão"